Não existem tarefas autênticas, apenas convites autênticos.
A versão original deste post (em inglês) pode ser lida aqui.
Você ouvirá sobre “tarefas autênticas” em apresentações de conferências, artigos de periódicos, de opinião e tuítes aleatórios sobre o que constitui “bom ensino”. Quando pressionadas, a maioria das pessoas define essa autenticidade de maneiras circulares ou que levantam outras questões.
Por exemplo, Jay McTighe e outros autores escreveram o livro Designing Authentic Performance Tasks and Projects. Aqui está uma de suas primeiras tentativas de definir “autêntico”:
… apresentando um desafio real, problema, questão; um produto/desempenho genuíno; público autêntico; e restrições do mundo real …
“Real”, “genuíno” e “do mundo real”, cada um levanta a questão: “Bem, e afinal o que isso significa?”
E é sempre doloroso ver uma palavra aparecer em qualquer lugar de sua própria definição.
Para ilustrar melhor o desafio aqui, os autores do The Mathematics Lesson-Planning Handbook definem uma tarefa autêntica como “uma ferramenta útil para navegar no mundo real”, apenas para se contradizerem duas frases a seguir escrevendo: “Isso não significa que a tarefa deva ser do mundo real”.
Tarefas autênticas falharam conosco.
Precisamos de uma abordagem diferente. Os autores de exercícios imaginam que suas tarefas de matemática são como um livro, algo que eles podem rotular com um gênero específico — romance, horror gótico, autêntico, etc. — que o leitor experimentará sem interferência. Mas na sala de aula, os professores mediam a experiência do aluno com problemas de matemática. Os problemas de matemática funcionam então como livros lidos em voz alta por alguém que pode mudar o enredo, reorganizar capítulos e alterar o final à vontade.
Os alunos precisam de convites autênticos.
Aqui está uma tela da nossa atividade Shira’s Solutions onde os alunos digitam uma desigualdade em uma entrada matemática e observam uma ovelha responder. Com x ≤ 3, por exemplo, a ovelha salta de paraquedas em x = 3 e come qualquer grama que encontrar à sua esquerda.
Essa pergunta é “autêntica”? É do “mundo real”? Não sei e não tenho nenhuma preocupação. O que me importa é: o convite do professor é autêntico?
Aqui está um vídeo de 2,5 minutos de Liz Clark-Garvey utilizando a tela anterior no início de uma aula. A generosidade de Liz com sua prática de ensino é um presente contínuo para cada um de nós e eu encorajo você a assistir. O que você percebe?
O que eu te convido a notar aqui é que, no começo da lição, Liz está ativamente buscando divergência, em vez de convergência. Ela pergunta, em essência, “alguém ficou surpreso com o que eles tentaram aqui?”
Em muitas aulas de matemática, os alunos passam a entender que devem minimizar sua surpresa. Cada coisa nova que você aprende deve seguir dedutiva e racionalmente de cada coisa anterior. Nessas aulas, os alunos entendem que devem deixar seu senso de surpresa do lado de fora da porta da sala de aula. Na aula de Liz, por outro lado, os alunos e sua surpresa recebem uma recepção explícita.
Mais tarde, Liz intencionalmente busca mais divergência. Um aluno faz Shira comer uma folha de grama, então Liz pergunta “Alguém encontrou uma desigualdade que resultou em Shira ser capaz de comer toda a grama?” Os alunos começam a dar a Liz desigualdades com soluções que vão para a direita, então ela pede explicitamente soluções que vão para a esquerda. Os alunos tentam superar uns aos outros com respostas com valores negativos cada vez mais extravagantes, de x < -3 a x < -48 a x < -100 octilhões. Liz se alegra com essas respostas.
Você pode apenas alterar seu convite.
Você não pode mudar a percepção de um aluno sobre a natureza de uma tarefa. Para um aluno, uma tarefa pode ser sentida como “autêntica” devido as suas experiências e aspirações únicas. Outro aluno pode experimentar essa mesma tarefa como inautêntica baseado nas suas.
A única coisa que você pode mudar é você. Você pode mudar sua visão para com os alunos de pessoas com déficits, lacunas e responsabilidades para pessoas com vidas interiores ricas e uma abundância de pensamentos interessantes. Você pode mudar sua compreensão da matemática, ciente de que quanto mais matemática você sabe, mais ideias de seus alunos você estará preparado para convidar e acolher. Você pode mudar sua pedagogia, desenvolvendo perguntas que extraiam mais ideias de mais alunos com um custo menor para eles.
Você pode alterar a autenticidade do seu convite, perguntando-se:
- Estou interessado em meus alunos como objetos ou sujeitos?
- Eu os vejo como meios para meus próprios fins, ou como fins em si mesmos?
- De todos os pensamentos sinceros que meus alunos podem ter numa aula, quantos deles me encantariam?
Eventualmente, seu interesse em convidar mais alunos o direcionará para diferentes tipos de tarefas matemáticas. Você não se importará se os árbitros da realidade ou autenticidade os definem como “reais” ou “autênticos”. Você apenas se perguntará: “Isso me ajudará a oferecer um convite autêntico para mais alunos?”
A propósito: John Mason sobre tarefas “ricas”: “São as formas de pensar que são ricas, não a tarefa em si.”
Gostaríamos de agradecer ao professor Dan Meyer por nos autorizar a traduzir seus posts para o português e apresentá-los aqui no blog, fazendo com que suas ideias e experiências alcancem mais professores brasileiros, derrubando a barreira do idioma.
DAN MEYER
Dan Meyer ensinou matemática no ensino médio para alunos que não gostavam de matemática. Ele defendeu um melhor ensino de matemática na CNN, no Good Morning America, TED.com e Everyday With Rachel Ray, também e é autor do blog dy/dan. Tem doutorado em educação matemática pela Universidade de Stanford e é Diretor Acadêmico da Desmos, onde explora o futuro da matemática, da tecnologia e do aprendizado. Dan fala internacionalmente e foi nomeado um dos 30 Líderes do Futuro da Tech & Learning. Ele mora em Oakland, CA.
Atualmente: @Desmos. Anteriormente: professor de matemática do ensino médio. Sempre: usuário de matemática recreativa.
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Um abraço e até o próximo post.