Os tutores chatbot ainda não chegaram e devemos nos perguntar se eles chegarão algum dia.
Gostaríamos de agradecer ao professor Dan Meyer por nos autorizar a traduzir seus posts para o português e apresentá-los aqui no blog, fazendo com que suas ideias e experiências alcancem mais professores brasileiros, derrubando a barreira do idioma. Aproveitem a leitura, queridões!
A versão original desta reportagem (em inglês) pode ser lida aqui.
Aqui está o CEO do Google no ano passado, Sundar Pichai, descrevendo suas expectativas para tutores chatbot de IA na educação:
Acho que com o tempo poderemos dar a todas as crianças e pessoas do mundo – independentemente de onde estejam ou de onde venham – acesso ao tutor IA mais poderoso possível.
Pichai não está sozinho. Muitas outras pessoas têm a esperança de que, futuramente, os chatbots sejam utilizados como tutores em nível mundial, disponíveis a qualquer momento para qualquer um. Ao ouvi-las, pergunto frequentemente: essas pessoas já foram tutoras, ou mesmo, orientadas por algum tutor? Tive uma experiência recente e acho que há muita diferença entre tutores humanos e chatbots de inteligência artificial.
Nos últimos meses, tenho ensinado matemática a um aluno do sexto ano que é meu parente, de forma remota usando o Google Meets.
Há alguns meses também contratei um tutor para mim. Meu objetivo secundário com esta tutoria é aprender mais sobre tecnologias web como JavaScript, React e Express. Meu objetivo principal, entretanto, é experimentar em primeira mão os hábitos de tutores eficazes para o bem deste boletim informativo.
Ao mesmo tempo, tentei utilizar o ChatGPT 3.5 e outros chatbots como tutores virtuais, tanto para o ensino de matemática do sexto ano quanto para aprendizagem de desenvolvimento web.
Aqui estão algumas diferenças que notei entre tutores humanos e tutores virtuais com inteligência artificial.
Tutores humanos buscam um contexto.
Perguntas que você ouvirá de tutores humanos:
- O que você tentou até agora?
- Posso ver seu desenvolvimento?
- O que você anotou?
- Até onde você consegue ir partindo daqui?
- Em que parte você travou?
- Como seu professor explicou isso em aula?
- O que você fez desde nosso último encontro?
Perguntas que você verá os tutores do chatbot de IA fazerem:
- Você sabe dar o primeiro passo aqui?
Os tutores humanos compreendem que os alunos não estão começando do zero, que há um contexto nas tarefas de casa, ou na última prova, ou em suas anotações da aula, tornando-os recursos úteis numa sessão de tutoria. Os tutores humanos entendem que um aluno com dificuldades não precisa necessariamente começar a partir do primeiro passo. Uma olhada nas anotações pode revelar, por exemplo, que é na penúltima etapa que eles estão encontrando dificuldades.
Tutores humanos usam recursos variados.
A certa altura, comecei a sentir que meu aluno estava muito envolvido nos detalhes operacionais das frações, acabando por esquecer o que efetivamente era uma fração. Então desenhei algumas pizzas, uma reta numérica e alguns diagramas de área para conectar a ideia de multiplicação de frações. As aulas particulares são via Google Meets e há uma câmera conectada para que possamos esboçar as contas juntos. Assim, ele mostra as contas que desenvolveu diante da câmera para que eu possa compreender melhor seu trabalho.
Já, com meu próprio tutor, compartilho a tela para que possamos programar em dupla. Inicialmente, ele descreve conceitos de uma forma geral e me observa tentando construir os detalhes que faltam. Ocasionalmente trocamos de função e eu observo o seu código, comentando algo.
Tutores humanos eficazes utilizam diferentes formas e recursos para dar suporte à aprendizagem dos alunos. Chatbots usam texto.
Tutores humanos criam relacionamentos.
Gostei de conversar com Jayne Illovsky, professora na área da baía de São Francisco, especializada em alunos que têm dificuldades na escola e nas aulas de matemática. Aqui está a sua descrição do processo para mim:
Dedico um tempo considerável no início de uma aula para criar vínculos com cada um dos meus alunos e adaptar a abordagem para tornar o processo de aprendizagem divertido, emocionante e prazeroso.
Não sei se o meu tutor é especializado em aprendizagem socioemocional, mas mesmo assim ele se baseia em nossa relação para me encorajar e me desafiar. Certamente, o mesmo acontece com o aluno que estou ensinando. Eu o conheço há dez anos e não é difícil perceber quando ele está sobrecarregado ou animado por ter superado um obstáculo e também não é difícil para eu me adaptar a cada uma destas reações.
Tutores humanos são insistentes.
Os defensores dos chatbots costumam elogiar os tutores virtuais com IA por sua paciência. Esta é uma tentativa de transformar uma das maiores desvantagens de um chatbot em vantagem. Ao invés de esperar que a criança envolva o tutor na sua aprendizagem, é o tutor que deve impulsionar a aprendizagem da criança.
Por exemplo, sou eu que decido que terminamos de falar sobre os videogames que gostamos e recomendo que comecemos a trabalhar agora.
Quando ele diz que o professor foi substituído naquele dia e não fez lição de casa, crio alguns exercícios e problemas.
Quando percebo que ele está demorando para resolver um determinado problema, posso decidir se devo ou não intervir. Se ele estiver em um caminho produtivo e trabalhando devagar, esperarei. Mas, se ele estiver tomando um rumo errado, posso intervir antes.
Os chatbots, por sua vez, não têm essa capacidade. Eles esperam pacientemente até que o aluno participe da conversa, mesmo que o aluno não esteja realmente precisando de uma pausa no seu aprendizado.
Os tutores humanos reconhecem seus limites.
Quando as pessoas percebem que os chatbots ainda têm dificuldades com a matemática, seus apoiadores e desenvolvedores frequentemente respondem que os tutores humanos também cometem erros.
Isso tem sido verdade por experiência própria. Meu tutor não tem conhecimento de todos os novos detalhes do JavaScript que tento explorar. A diferença é que meu tutor reconhece quando seu conhecimento está desatualizado ou defasado e condiciona seus conselhos de acordo com isso.
“Não estou 100% certo sobre isso. Eu precisaria consultar a documentação do SQLite.”
“Na verdade, não sei por que não podemos usar JSON.parse() em vez de stringify() aqui.”
Os chatbots, por sua vez, apresentam sempre a mesma confiança, estando certos ou errados.
O Discurso
Acredito que poderia conhecer melhor as pessoas que estão lendo este post agora e imaginam que os chatbots gravam todas as suas conversas anteriores e que isso é algum tipo de relacionamento, somadas ao Gemini 1.5 que atualmente permite um milhão de tokens, o que é mais do que suficiente para armazenar todos os livros didáticos, e anotações de um aluno; junte-se a isso os novos modelos multimodais que estão surgindo, permitindo que os chatbots criem tabelas e gráficos e muitas outras mídias para o ensino da matemática. Quem sabe, se colocássemos tudo isso numa sacola de compras com um belo sorriso estampado na frente, não iria se parecer um pouco com um tutor?
Este não é um discurso sério.
Esta esperança depositada nos chatbots enfrenta um sério desafio – satisfazer as vastas e variadas necessidades dos estudantes – e a banaliza.
A parte positiva deste artigo é que acabei de descrever um passo-a-passo para tutores virtuais com IA, que continuarão avançando indefinidamente a cada novo lançamento de modelo de linguagem.
O aspecto negativo é que estamos pedindo a uma ferramenta que é realmente muito boa para fazer algo que vai muito além de suas capacidades.
Questionamos os professores incansavelmente. O que você precisa para melhorar este trabalho? Questionamos os alunos incansavelmente. O que você precisa de nós para sua educação? E suas respostas são consistentes! Suas necessidades são significativas! No entanto, falta-nos a vontade coletiva de atender a essas necessidades, devido a razões que estão além do âmbito deste artigo, mas que ainda permanecem incertas para todos nós.
A ajuda está chegando, avisem aos professores e alunos. Estamos enviando chatbots.
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Leia a versão original desta reportagem (em inglês) aqui.
Dan Meyer ensinou matemática no ensino médio para alunos que não gostavam de matemática. Ele defendeu um melhor ensino de matemática na CNN, no Good Morning America, TED.com e Everyday With Rachel Ray, também e é autor do blog dy/dan. Tem doutorado em educação matemática pela Universidade de Stanford e é Diretor Acadêmico da Desmos, onde explora o futuro da matemática, da tecnologia e do aprendizado. Dan fala internacionalmente e foi nomeado um dos 30 Líderes do Futuro da Tech & Learning. Ele mora em Oakland, CA.